Conversas do Éter reúnem na UA – dias 7 e 8 de março – amantes de rádio comunicações
“Nenhuma outra criação depois da rádio conseguiu reunir tantas potencialidades”
Afinal, do que se fala quando o tema é o radioamadorismo?
Jorge Ruivo (JR) _ É um hobby científico praticado um pouco por todo o mundo por qualquer pessoa a título individual e que exige que a pessoa seja licenciada pela autoridade de telecomunicações de seu país. O radioamadorismo apareceu logo após as primeiras descobertas relacionadas com a rádio e por isso os equipamentos eram muito raros. Por este motivo os radioamadores são muitas vezes associados aos entusiastas do ferro de soldar, porque efetivamente nesses tempos eram eles que faziam os seus equipamentos.
Nicolas Neto (NN) _ Dentro do radioamadorismo existem muitas e diferentes atividades que podem ser praticadas, desde os contactos locais utilizando frequências VHF (com alcance reduzido), à projeção lunar que utiliza a lua com uma espécie de ‘espelho’ para reenviar os sinais para Terra para que outro amador os escute. Existem os contactos a longa distância (HF, porque estas ondas são refletidas na ionosfera) que são os que cativam mais pessoas no muito inteiro que dedicam o seu tempo na atividade a colecionar contactos e as respetivas confirmações com o maior número de países no mundo em todas as frequências autorizadas e modos possíveis [fonia, código morse ou modos digitais].
E para se ser radioamador é preciso ter muitos conhecimentos de eletrónica?
JR _ Hoje em dia quem se quiser tornar radioamador já não tem de ter avançados conhecimentos de eletrónica. Existe muita indústria a fabricar equipamento para os amadores sendo hoje possível ter uma grande variedade de escolha no momento da compra. Mesmo assim ainda existem muitos amadores que têm o gosto em adquirir os componentes necessários para que o resultado final fique algo seu, único e feito por eles.
O que vos levou a interessarem-se pelo radioamadorismo?
NN _ O meu primeiro contacto com a área foi numa formação, cuja iniciativa foi da mesma pessoa que recentemente me incentivou a obter a licença de radioamador, o Prof. Eng. José Sá. A formação consistiu em várias palestras, ao longo de uma semana. Pouco tempo depois, [José Sá] organizou um contacto com a ISS [Estação Espacial Internacional] onde estive na montagem do hardware necessário à realização do contacto. Fiquei bastante fascinado! Afinal estávamos a falar com alguém no espaço.
JR _ Durante as férias da Páscoa do meu 10º ano decidi frequentar uma ação de formação para radioamadores com o intuito de aprender a fazer antenas. No fim do primeiro dia de formação o interesse inicial deixou de ser o principal porque comecei a descobrir o que é o radioamadorismo e rapidamente decidi que queria tirar a licença e montar uma estação em casa. Durante a formação que tive, e que durou uma semana, ouvi diversos relatos de pessoas já com muita experiência na atividade e isso fez-me ficar com muito curiosidade e vontade de conseguir fazer os mesmos contactos a longa distancia e receber as cartas de confirmação de países tão distantes como Japão ou a Austrália.
Que contato conseguiram estabelecer e que, de alguma forma, vos tenha marcado?
NN _ O que me marcou mais foi mesmo o contacto com a ISS, mesmo não tendo sido eu a falar. Mas ter a noção do que estava ali a acontecer, foi qualquer coisa de fantástico.
JR _ Não tendo sido o contacto que mais prazer me tenha dado fazer, marcou-me sem dúvida alguma pela experiência rara e pela altura em que foi feito, no início da minha atividade na rádio: contactei a ISS na escola secundária. Foi um contacto organizado por um professor e por alunos, professores e alguns convidados que tinham licença de rádio amador e falaram com a astronauta Sunita Williams. Aqueles cerca de nove minutos em que se conseguiram escutar os sinais na estação NA1SS foram espetaculares! No entanto, os contactos feitos em casa com o meu equipamento onde a responsabilidade do correto funcionamento é meu, dão sem dúvida alguma, um gosto totalmente diferente. Nunca vou esquecer a primeira vez que falei com a Antártida com uma base de investigação Russa chamada Novolazarevskaya. Recordo-me que duvidei do que fiz e fui verificar se se tratava mesmo de uma estação desse continente. As dúvidas desfizeram-se quando passado uns meses recebi por correio a confirmação do contacto. Este sim foi o contacto que mais me marcou, não só pela distância alcançada mas também pela dificuldade extrema que senti em compreender quem estava do outro lado.
Já receberam algum tipo de sinal vindo do espaço? De algum OVNI…
NN_ [Risos] Isso não, mas já recebemos algumas imagens de satélites meteorológicos NOAA. É algo simples de se fazer e, qualquer um o pode fazer em casa. Receber sinais de outros todos podemos. Basta ter uma pen de receção de DVB-T que se compra no ebay por 10 euros (SDR RTL), pesquisar na internet sobre como fazer uma antena para o efeito, instalar algum software e esperar que o satélite passe por cima das nossas cabeças. Ou então, contactar o núcleo que damos todas as dicas.
Com o surgimento e crescimento da Internet, que espaço há ainda para o radioamadorismo?
JR _ Penso que existirá sempre espaço para o radioamadorismo como meio de investigação, aprendizagem e evolução pessoal. A Internet complementa o radioamadorismo nos dias de hoje, mas no início foi o radioamadorismo que colocou a Internet no ar. Na década de 80 e inícios de 90, os amadores já tinham tráfego de correio eletrónico na suas redes de packet. Hoje utilizamos esta ferramenta tão grande e útil que é a Internet para várias coisas, desde a pesquisa de material para a atividade até à confirmação de contactos de forma a evitar o envio de correio físico que, apesar de ser o mais apreciado, se torna caro. Os radioamadores, apesar de se manterem fiéis ao seu início e pouco terem evoluído na sua essência, estão abertos a novas tecnologias e são por excelência pessoas curiosas.
NN _ Existem projetos que utilizam a Internet como meio de comunicação para combater algumas limitações. Na minha opinião estes projetos vão contra os princípios do radioamadorismo, mas se servirem para cativar pessoas para a atividade então que se use. Dentro do radioamadorismo existem muitas atividades diferentes que se podem fazer e deve existir espaço para todas porque existem pessoas para todos os gostos.
Que argumentos usam para cativar as pessoas para experimentarem o radioamadorismo?
JR _ Quando falo do radioamadorismo a quem pouco ou nada sabe sobre o assunto gosto de falar das comunicações de emergência e da importância que estas têm em situações de catástrofe. Num cenário em que tudo falhe a rádio poderá ser o único meio de comunicação que resiste aos mais severos desastres. Existem desastres que todos conhecemos em que os amadores tiveram papéis importantes dando alertas, fazendo pedidos de socorro, entre outros. É exemplo disto o tsunami no Siri Lanka no Natal de 2004 e, aqui bem perto, o acidente de Alcafache.
NN _ Outro dos grandes argumentos que habitualmente é referido quando se quer destacar as vantagens da rádio é os seus limites: geográficos, políticos, étnicos. Simplesmente não existem! É sabido que em períodos de guerra era pela rádio que a informações chegavam onde não eram permitidas chegar. Nenhuma outra criação depois da rádio conseguiu reunir tantas potencialidades e com robustez.
JR _ Na parte mais lúdica do hobby temos as competições que acredito que seja por aí que se consiga atrair muitos dos jovens que muitas vezes perguntam: porquê a rádio se tenho a Internet e falo com os meus amigos quando quiser? Existem competições de 12, 24, 48 horas, um ano e as de uma vida… Eu por exemplo dedico-me ao DX Century Club (DXCC) patrocinado pela associação norte-americana American Radio Relay League que é um diploma atribuído a quem contactar pelo menos 100 países diferentes. Alcançar este diploma, apesar de não se tratar de uma competição direta com outros radioamadores, é uma competição pessoal. A vontade é sempre fazer mais para conseguir adicionar mais um selo ao diploma. Eu demorei cerca de 7 anos para obter o DXCC e agora trabalho para o terminar. Um dia, quem sabe, obtenha o Honor Roll que é obtido quando se consegue contactar o mundo todo.
Que equipamentos é preciso ter para se ser um radioamador?
JR _ Para ser radioamador é preciso ter uma licença emitida pela Entidade Reguladora do Espetro, no nosso caso, pela ANACOM. A licença obtém mediante aprovação num teste teórico-prático, que aborda aspetos técnicos da área, teóricos e legislação. Depois de devidamente licenciados vem a parte engraçada: comunicar. Há muitas vertentes de radioamadorismo, desde comunicações entre estações fixas, onde se procura comunicar com outras estações fixas, normalmente a longas distâncias, como daqui para a Antárctica. Há também quem goste de andar com rádios portáteis e utilizar repetidores para falar com outros intervenientes, em zonas mais próximas.
E o equipamento? É caro?
NN _ Há equipamentos para todo o tipo de comunicações, sendo os de comunicações a mais longa distância mais caros, como material para fazer projeção lunar [risos]. Mas respondendo à pergunta: normalmente é, se se comprar tudo. Há radioamadores que constroem as suas antenas e os seus amplificadores de rádio. Às vezes mais caros que comprar, outras vezes, muito mais baratos. E há sempre feiras de equipamentos usados.
Quem estiver interessado pode ir ao Núcleo e fazer que tipo de atividades?
JR _ Fazer, não podem praticamente fazer nada, além de receção, mas podem sempre ver o que fazemos. Neste momento, o núcleo tem dois rádios de VHF, uma antena vertical de VHF e uma antena Ez-Wire. Estamos a trabalhar para adquirir mais equipamentos, como SDR’s e um rádio HF. Entretanto vamos utilizando algum material pessoal.
Que grandes objetivos tem o encontro que estão a organizar?
NN _ O Conversas do Éter pretende preencher uma lacuna que existe na nossa zona. Existem noutras regiões do país eventos idênticos como colóquios, mas todos eles orientados apenas a radioamadores. A nossa grande diferença é que temos como principal objetivo juntar duas comunidades, a comunidade radioamadora e a académica da área das telecomunicações, que se dedique à área de rádio. Estas duas comunidades têm interesses comuns e habitualmente fazem investigações similares, mas enquanto a primeira desenvolve um trabalho individual e raramente o publica, partilhando-o apenas com pessoas próximas, a segunda faz dessa investigação o principal trabalho contribuindo de forma ativa para a evolução da área.
JR _ Com este encontro esperamos ter as duas comunidades frente a frente a discutir os mais variados assuntos relacionados com os seus interesses com a expectativa de tornar este tipo de debate de ideias entre estes dois mundos mais frequente. Esperamos que o encontro resulte em contributos positivos para alguma ou para ambas as comunidades.
Contatos e informações sobre as Conversas do Éter:
Inscrições: https://conversasdoeter.wordpress.com/
Outros contatos (gerais) do núcleo:
email: aettua-nr@ua.pt
site UA: https://www.ua.pt/aettua/
facebook: https://www.facebook.com/pages/NRAETTUA/162941157090043?fref=ts
Fonte: Jornal Ua Online (Universidade de Aveiro – Portugal)
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