Como escolher um sistema de Radiocomunicação Comercial / Privado
Por Ricardo Bovo
Não raramente, o sistema de radiocomunicação é a única fonte de informação confiável. Confira neste artigo sete passos fundamentais para a escolha ou projeto de um sistema de comunicação via rádio eficaz, convencional ou troncalizado.
Sistemas de comunicação eficientes são essenciais hoje em dia. No entanto, há segmentos em que a comunicação é ainda mais importante e passa a ser considerada crucial, como é o caso de distribuidoras de energia elétrica, refinarias de petróleo e aeroportos. Esses setores, considerados de missão crítica, lidam com situações que podem custar uma vida, mas muitas vezes não tratam a comunicação como prioridade em seus investimentos.
Em um cenário de apagão, como o recentemente vivenciado no País, as pessoas imaginam que as companhias de energia elétrica, principalmente das metrópoles, estão preparadas para solucionar o problema em poucos minutos para restabelecer a energia. Será? Para que essa expectativa possa ser atendida, a distribuidora de energia elétrica precisa estar preparada para colocar rapidamente suas equipes em campo, detectar o problema e repará-lo.
E é somente no momento em que os técnicos são enviados para a missão e a central de controle inicia o monitoramento das equipes designadas que se tem a resposta. Será que o sistema de radiocomunicação realmente funciona e atende satisfatoriamente à demanda? Nesse momento não há meio-termo: ou o equipamento funciona, ou você tem mais um problema nas mãos. Hospitais, semáforos, elevadores, é difícil calcular quantas pessoas podem estar correndo risco de vida pela falta de energia elétrica.
Nessas horas, o sistema de radiocomunicação é a única fonte de informação, uma vez que o sistema de telefonia (fixa ou celular) tende a ficar congestionado pelas centenas de ligações recebidas no call center, com questões sobre a falta de energia e quando ela vai voltar. Qualquer informação nesse momento é importante. Se os atendentes responderem que a energia voltará em uma hora, alguns clientes ficarão olhando o relógio e, após esse período, voltam a ligar para cobrar o prazo.
Quando há um sistema de radiocomunicação confiável, a resposta chega em instantes, ainda que não seja tão boa. Mas, se você não tem recursos de qualidade, os problemas só tendem a aumentar. Por isso, sugiro seguir os sete pontos abaixo, que considero fundamentais para ser avaliados antes de escolher ou projetar um sistema de radiocomunicação.
Tecnologia analógica ou digital?
Antes de qualquer coisa, é necessário considerar se a modulação do novo sistema será analógica ou digital. Não recomendo o sistema analógico, por ser uma tecnologia mais antiga, que pode causar falhas. Use digital, não porque “digital é melhor”, como todo mundo diz, mas por razões práticas e técnicas. No mundo digital, é possível combinar dados e voz em uma mesma transmissão ou no mesmo canal de tráfego, pois no mundo dos “zeros e uns”, voz e dados são apenas informações enviadas pelo ar por meio do canal de radiofrequência (RF).
Outro ponto importante que direciona o uso da tecnologia digital é o uso mais eficiente do espectro radioelétrico. Em alguns países, ou mesmo em algumas regiões do Brasil, simplesmente não existem mais canais de rádio (frequências) disponíveis. Não importa de qual banda estamos falando: VHF, UHF ou 800 MHz. Costumo dizer que para nós, profissionais de radiocomunicação, um canal de frequência é tão importante para a tecnologia existir quanto a água é importante para os seres vivos. Pode parecer exagero, mas, sem canais de RF para usar, não há tecnologia sem fio que possa existir.
Também existem as aplicações para transmissão de dados. Ordens de serviço despachadas, recebidas e fechadas pelo ar, remotamente por meio de canais de RF, são essenciais para melhorar a eficiência e a produtividade das empresas. Recebo muitas solicitações de companhias que me pedem aplicativos de gerenciamento de frota (fleet management – FL), gerenciamento de veículos (automatic vehicle location – AVL), gerenciamento de pessoas (automatic personnel location – APL*) e de despacho de ordens de serviço remotamente. São aplicativos com os quais você realiza todos esses procedimentos e ainda proporciona comunicação de voz em uma mesma rede.
Algumas vezes, é fundamental considerar a questão do sigilo ou privacidade nas comunicações. Sistemas digitais são especialmente desenhados para oferecer segurança, não somente pela modulação, mas também pela criptografia de voz. Existem diversos algoritmos de criptografia disponíveis. Alguns métodos são baseados em software e outros em hardware, mas qualquer um tem alta confiabilidade.
Após optar pelo sistema digital, surge o desafio da escolha do protocolo de comunicação. Atualmente existe uma série de protocolos digitais, mas para aplicações de missão crítica, recomendo a adoção de um dos dois únicos padrões abertos existentes no mundo: o APCO e o TETRA. Ambos são altamente confiáveis, considerados o estado da arte em termos de tecnologia, e cada um é indicado para um caso específico. Sugiro que você atribua uma nota a cada um dos pontos que descreverei para verificar qual a solução mais recomendável para a sua situação.
*APL: Muito importante em ambientes onde a exposição demasiada a gases pode ocasionar acidentes, tais como: refinarias, indústrias químicas etc. Se a pessoa permanecer sem comunicação com a central de despacho por um intervalo de tempo maior que o esperado, o software emite um alerta ao operador, que pode imediatamente verificar se é uma situação de emergência e tomar todas as medidas necessárias.
1) Padrões abertos
Sempre considere padrões abertos e conhecidos, pois eles possibilitam mais opções de fornecedores no futuro. Atualmente, no setor de radiocomunicação, existem apenas dois padrões abertos e internacionalmente reconhecidos: APCO P25 e TETRA.
Por razões culturais, a tecnologia padrão Projeto 25 da APCO (que chamarei apenas de APCO) é mais difundida e utilizada na América Latina (incluindo o Brasil), Estados Unidos e Oceania, enquanto a tecnologia TETRA é amplamente utilizada nos países da Europa, Oriente Médio, África e Ásia. Os requisitos de alocação de frequências para APCO e TETRA são diferentes e, em algumas situações, representam os maiores obstáculos para o uso do TETRA na América Latina.
2) Faixa de frequência/espectro disponível
Cada país possui uma legislação específica sobre alocação do espectro e, algumas vezes, simplesmente não existem canais disponíveis na banda em que você precisa. Por isso, recomendo estudar cuidadosamente a legislação de telecomunicações local para entender qual padrão pode ser usado e que banda de frequência está disponível.
Os sistemas APCO estão disponíveis em VHF, UHF (nas faixas de 380 MHz e 450 MHz) e 800 MHz, para operação troncalizada (trunking) ou convencional, com canais de 25 kHz ou 12,5 kHz. Os sistemas TETRA, por sua vez, não estão disponíveis para a banda de VHF, mas para UHF (350 MHz, 380-400 MHz, 410-430 MHz e 450-470 MHz) e 800 MHz, somente para modo troncalizado. É importante também olhar a separação espaçamento entre frequências de transmissão e recepção prevista pela legislação local, uma vez que a maioria dos sistemas TETRA é fabricada para separações de 10 MHz.
3) Legislação local
A decisão por um sistema convencional ou troncalizado depende da quantidade de canais (bandas) disponíveis e do número de usuários. Se você tem uma grande concentração de usuários em um local reduzido ou uma pequena área para prover cobertura, um sistema troncalizado é o mais apropriado. Da mesma maneira, o troncalizado pode ser importante para prever roaming automático de voz e dados entre sites. Porém, se você tem um pequeno número de usuários espalhados por uma vasta área e a seleção de canais pode ser deixada ao usuário, o ideal é optar por um sistema convencional APCO, em VHF ou UHF.
Embora o serviço troncalizado não esteja previsto na banda de VHF, há casos nos quais o órgão regulador aceita a utilização da tecnologia trunking para melhor eficiência de uso do espectro sempre que os canais são alocados a um único usuário. Além disso, é necessário verificar se existem restrições na norma do serviço, por meio de consulta à agência governamental local e do entendimento da legislação, e checar se os equipamentos estão devidamente homologados pelo órgão regulador. No Brasil, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) é responsável pela regulamentação do uso do espectro de frequências (http://www.anatel.gov.br).
Os dois padrões digitais fornecem eficiência espectral. O APCO usa apenas 12,5 kHz por canal em modo FDMA, mas existem desenvolvimentos para estender em TDMA, a partir de 2010. Já o TETRA utiliza TDMA 4:1 em canais de 25 kHz.
4) Compatibilidade com a base instalada
Ao atualizar ou migrar seu sistema de radiocomunicação analógico para digital, surge o problema de ‘o que fazer com o legado existente de rádios analógicos convencionais ou troncalizados’. O padrão APCO pode operar tanto em modo analógico quanto em modo troncalizado, possibilitando um caminho suave de migração, uma vez que um mesmo rádio pode operar tanto no modo analógico quanto no digital. Isso possibilita reutilizar os rádios analógicos em outras áreas e priorizar os usuários existentes em um primeiro momento. Os problemas de interoperabilidade geralmente acontecem quando o novo sistema digital opera em banda diferente.
5) Área de cobertura
Os sistemas APCO são mais indicados quando as áreas de cobertura são extensas, não por causa da banda de frequência necessariamente, mas pela potência de transmissão das repetidoras. Em sistemas APCO, essas potências podem chegar a mais de 125 watts, depois do combinador. Além disso, as repetidoras digitais possuem uma sensibilidade de recepção muito superior, se comparadas às repetidoras analógicas de baixo tráfego que são normalmente montadas com dois rádios móveis interligados. Certifique-se de que os dados apontados no catálogo do equipamento adquirido mencionam a potência real, isto é, calculada depois das perdas ocasionadas pelo combinador e as perdas por inserção de conectores. Essas perdas, combinadas, podem atenuar o sinal em até 6 dB e reduzir em quatro vezes o valor nominal. Isso significa, por exemplo, que 75 watts antes do combinador podem resultar em menos de 17 watts efetivamente irradiados.
Outro ponto importante diz respeito aos rádios. No APCO, os rádios possuem mais potência que em TETRA, mesmo se comparados na banda comum de 800 MHz. Um terminal portátil APCO tem cerca de 6 watts, e um rádio móvel, 45 watts, enquanto os TETRA possuem 1 watt e 3 watts, respectivamente. Ou seja, o número de bases necessárias para cobrir uma mesma cidade com APCO será dezenas de vezes menor que o número de bases TETRA, mesmo que essa comparação seja feita na mesma faixa de frequência (UHF ou 800 MHz). Até porque as cidades brasileiras possuem uma geografia extensa e montanhosa, que não favorece a propagação das ondas. Além disso, mais bases significam não só mais equipamentos, como também mais licenças (alvarás), mais obras civis, aterramento, contêineres, links e mais locais para gerenciar e prover segurança contra vandalismos. Por isso, é importante considerar o custo total do investimento (TCO).
Em situações como a de distribuidoras de energia elétrica, que possuem uma extensa área e atendimento para cobrir com rádio, o APCO é ideal, pois apresenta o melhor desempenho. Já para pequenas áreas de cobertura, não importa o número de usuários, um sistema TETRA oferece um desempenho superior, como é o caso de aeroportos, indústrias, resorts etc. Entretanto, é necessário observar a faixa de frequência que está disponível, pois, na maioria das vezes, o espectro acaba por direcionar a escolha da solução, apesar dos benefícios técnicos citados.
6) Fabricantes
Talvez o ponto mais importante para ser avaliado seja esse. Avalie cuidadosamente quais fabricantes existem, se estão fisicamente presentes e ainda qual a experiência que possuem na implantação de um sistema similar em seu país ou região.
Certifique-se de que tenham presença local por meio de pessoal próprio, e não de representantes. Isso é fundamental quando você precisar de suporte técnico ou de assistência técnica local. Já imaginou ter de fazer uma ligação internacional para abrir um chamado? Devido à diferença de fusos horários em alguns países, talvez essa ligação precise ser feita fora dos horários comerciais. Quanto tempo o suporte levaria para chegar e atender à solicitação? Procure fazer as seguintes perguntas:
• O fabricante possui uma rede de assistência técnica em todo o Brasil ou essa rede se resume a um revendedor?
• A empresa possui instalação física no Brasil ou opera por meio de representantes?
• Possui quadro de funcionários próprios com engenheiros e técnicos capacitados? Ou usa mão de obra de seus representantes?
• A empresa possui algum ativo, imóvel etc.?
O montante de investimentos que o fornecedor fez no Brasil traduz fielmente seu grau de comprometimento com o sistema de missão crítica em operação. Isso vai além de experiência, chama-se comprometimento.
No caso de uma crise, uma empresa que possui vínculos com o País não consegue fugir de suas responsabilidades. É interessante verificar se o fabricante possui ativos no País, em valor superior ao sistema que você eventualmente comprará dele.
Mais um motivo para selecionar uma empresa com presença local é o fato de que o fornecedor contratado pode ajudá-lo na escolha da melhor frequência e em todo o processo burocrático de obtenção da autorização. Por isso, quando possível, escolha produtos nacionais. Você certamente terá melhor assistência técnica, o que evitará ter de mandar equipamentos para reparo fora do País. Além disso, vai incentivar a indústria local e ajudar o País a crescer e atrair mais investimentos.
Ocasionalmente você precisará de rádios intrinsecamente seguros (IS). Esse equipamento é obrigatório em empresas químicas e petroquímicas. Em alguns países, como o Brasil, esses produtos possuem uma regulamentação específica e requerem uma certificação especial e rigorosa. Em certos casos, a certificação Factory Mutual (FM), dos Estados Unidos, não é aceita, e uma certificação local é necessária. A certificação brasileira é feita pelo Inmetro por meio de uma Organização Certificadora de Produto (OCP).
Mas não é só isso. No caso de manutenção desses equipamentos, o cuidado é ainda maior. Rádios IS só devem ser reparados por laboratórios que foram auditados e aprovados pelo órgão credenciado junto ao Inmetro (conforme norma ABNT NBR IEC 60079-19:2008) e não somente pelo fabricante do equipamento. Uma assistência técnica comum não pode e não deve tentar reparar estes equipamentos. Se isso acontecer, o produto fica descaracterizado como IS e perde a certificação. No caso de ocorrer um acidente e a empresa seguradora identificar o uso de rádios que não sejam certificados, isso pode ocasionar a perda da cobertura.
Antes de enviar um rádio IS para reparo, certifique-se de que a empresa escolhida está habilitada e autorizada pelo fabricante e pela entidade competente. Observe que o órgão certificador para segurança intrínseca é diferente do órgão que homologa os rádios para funcionamento no Brasil.
7) Propriedade do sistema
Ter o domínio e o controle do sistema é fundamental, não importa qual tecnologia você utilize. Nunca compartilhe seu sistema, nem deixe o controle nas mãos de uma operadora comercial, como uma operadora de celular ou operadora comercial de trunking. Soluções como GPRS, PoC (PTT pelo celular, etc.) não são redes projetadas para atender aos requisitos de uma operação de missão crítica. As exigências de usuários comerciais são menores e a disponibilidade da rede é a mesma. Em caso de falha, todos ficam fora do ar.
Uma rede própria é desenhada para atender aos requisitos de cobertura, tráfego, disponibilidade (redundância) e rápido restabelecimento. Foi projetada para seu uso exclusivo e está sob sua gerência e controle, além de poder ser interligada aos sistemas existentes.
Você pode até terceirizar a operação de sua rede, contratar uma empresa para operá-la. Porém, tenha o controle e o domínio (posse) do sistema. Tenha sempre as licenças em seu nome, seja o proprietário do sistema. Se você precisar encerrar o contrato, não ficará sem comunicação, pois o sistema continua sendo seu e sob seu controle. Nesse caso, talvez alugar os rádios possa ser uma boa alternativa.
São inúmeros os exemplos de situações em que os sistemas públicos de operadoras falharam e deixaram a população sem serviço. Quando um desastre ou uma catástrofe ocorre, as redes públicas tendem a ficar saturadas e falhar. No entanto, sua rede tem de permanecer operando normalmente. Nos incidentes abaixo, as redes públicas foram as primeiras a falhar:
• Apagão na Região Sudeste – 4 de março de 1998: apenas o sistema da Polícia Militar de São Paulo funcionou ininterruptamente;
• Ataques do crime organizado – 16 de maio de 2006: redes de celular entraram em colapso por horas;
• Acidente em Congonhas – 17 de julho de 2007: a autoridade de trânsito municipal usava PoC (PTT over Cellular) e ficou sem serviço na região do acidente por horas.
Por essas razões, uma empresa de serviços de missão crítica deve pensar e avaliar muito bem antes de decidir por um sistema de radiocomunicação
Fonte: O autor
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